Gabriel Mario Rodrigues
Presidente da ABMES e Secretário Executivo do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular
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O controle da corrupção não pode ser tratado nem com moralismo nem com cinismo. Brasília não é um mundo paralelo colonizado por extraterrestres. É um espelho da nossa sociedade. (Leandro Karnal)[1]
José Roberto Covac e Daniel Cavalcante Silva[2] lançaram, pela Editora Saraiva, o livro “Compliance como boa prática de gestão no ensino superior em instituições privadas de ensino”, prefaciado por Ives Gandra Martins.
O lançamento desta obra pioneira – ocorrido no dia 28 de abril na sede do Sindicato das Entidades das Entidades Mantenedoras de Instituições de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) – foi antecedido por palestra explicativa que abordou os antecedentes do trabalho, os objetivos e a necessidade de sincronização dos mantenedores com os novos tempos no que se refere ao aprimoramento das organizações educacionais, às novas exigências dos órgãos públicos e da sociedade em relação à boa governança e à transparência das atividades administrativas.
De acordo com Covac e Cavalcante, o termo compliance tem origem no verbo inglês to comply que significa “agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou um pedido”, isto é, estar em conformidade com as leis e os regulamentos externos e internos. (Clique aqui para mais informações).
Em que pese o ineditismo do livro, aconselhamos os autores a fazerem imediatamente uma segunda edição dirigida ao setor educacional público, considerando que este, mais do que nenhum outro, vai precisar seguir as normas do bom senso e agir com discernimento administrativo para tratar dos recursos do contribuinte.
Nos últimos tempos, a mídia vem divulgando os desmandos generalizados das empresas estatais, fatos presentes de forma endêmica na nossa história desde os tempos de Cabral. Há uma vasta literatura sobre o tema[3] que, não sendo uma prerrogativa brasileira, ocorre em todo o mundo. De fato, a corrupção está presente em muitos outros países, tais como Estados Unidos, Japão, Suécia e Cingapura. Curiosamente, o caso deste último vale a pena ser citado: nas últimas cinco décadas, este país deixou de ser apontado com um dos países mais corruptos do mundo e se tornou um dos menos, graças a uma série de medidas radicais do governo atual. (Como combater a corrupção?)
Este foi apenas um parênteses, pois a nossa análise não é propriamente sobre corrupção governamental, mas, sim, sobre a total falta de gerenciamento na condução das obras e também da falta de transparência sobre a missão de ensino, pesquisa e extensão desempenhada pelas universidades públicas brasileiras.
Sabe-se que qualquer família remediada que deseja construir uma casa deve seguir alguns trâmites pré-estabelecidos: comprar o terreno registrado em cartório, possuir recursos para construir, ter um projeto assinado por escritório de arquitetura, começar a obra após a aprovação da planta pela prefeitura. Enfim, todos os projetos construtivos devem obter a aprovação do orçamento do projeto, comprovar a idoneidade da construtora e ter rigoroso acompanhamento dos trabalhos nos mínimos detalhes.
Se tudo isso é necessário, cabe a pergunta: por que o Estado não faz o mesmo quando constrói obras exponencialmente maiores?
A Controladoria Geral da União (CGU) analisou 88 obras do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (Reuni) entre 2009 e 2014 (Revista Veja de 26/04/2015 - Rio das Ostras mostra como o Reuni desperdiça bilhões) e concluiu que em metade das obras de infraestrutura o recurso foi mal gasto ou desperdiçado. São 2,2 bilhões de reais destinados à construção de prédios, laboratórios, quadras esportivas, bandejões, salas de aula que ainda não estão prontos e/ou foram simplesmente abandonados. “Dinheiro mal gasto e sem controle”, diz textualmente a reportagem.
No campus da Universidade Federal Fluminense (UFF) de Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, os alunos alojam-se em contêineres e, em Angra dos Reis, serão transferidos para prédio da prefeitura porque não cabem mais na antiga escola. A principal causa do desperdício, aponta o relatório da CGU, é que a expansão foi feita sem planejamento e as obras, sem fiscalização. "Tal situação é resultado de uma gestão que lança programas sem análise prévia, ampliando o ensino superior de maneira irrefletida e sem garantia de sustentabilidade", diz à Veja o sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) do Rio de Janeiro.
Se os órgãos Públicos conhecessem o que é compliance, isto é, se desenvolvessem uma boa gestão de acordo com as regras nada disto teria acontecido.
Os problemas de Rio das Ostras são comuns a várias instituições fiscalizadas pela CGU. Do total, 30% apresentavam falhas no projeto básico de engenharia, pois não foram avaliadas por um técnico. Como não há acompanhamento em nenhuma das obras, tudo fica ao sabor das empreiteiras.
Os prejuízos com a universidade pública vão além das obras e comprometem sua missão institucional: produzir ciência e conhecimento para o país. Como não há uma diretriz nacional abrangente, cada universidade trabalha segundo os ímpetos do momento ou agarra-se a um desafio pontual.
Lembro-me de um seminário que fui assistir na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) nos idos de 1980, quando, à saída, o professor que me recepcionava apontou para o prédio da Faculdade de Economia e salientou: “Não há comunicação entre faculdades aqui na USP; cada uma fica nos seus domínios e ninguém sabe o que acontece com o outro.”
Em proporções infinitamente maiores, a falta e comunicação e integração das universidades brasileiras implica analisar e conhecer – e este é um dos objetivos da compliance – o custo/benefício dos recursos que a sociedade aplica para formar os talentos que o país precisa para almejar seu sucesso. Em síntese, como já dissemos diversas vezes, a universidade pública é terra de ninguém.
Um outro aspecto nos parece importante destacar. Tal como observa Mário Sérgio Cortela, “quando as instituições garantem regras válidas para todos, ninguém se sente otário de segui-las”[4]. Esta assertiva, presente no livro “Política para não ser idiota”, serve para exemplificar que compliance nada mais é do que um conjunto de procedimentos para acompanhar as regras, de forma flexível, aberta e transparente, observando, entre outros aspectos, a natureza jurídica das instituições, o segmento em que atuam, os tipos de controle já existentes, os tipos de gestão adotados, o momento histórico vivido e a realidade de cada uma delas. Enfim, quanto mais eficazes e seguidoras das regras de compliance se mostrarem nossas instituições, mais fortes se tornarão para impedir as ações de corrupção.
[1] Historiador brasileiro, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) na área de História da América.
[2] Advogados, sócios da Covac Advogados.
[3] A Revista Super Interessante, edição 346, abr.2015, trata do tema “Corrupção faz sim parte da nossa história”.
[4] Mário Sérgio Cortella e Renato Janine Ribeiro. Política para não ser idiota. Editora Papirus 7 Mares. 2010. http://www.saraiva.com.br/politica-para-nao-ser-idiota-3064175.html